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Experiência de Belém/PA

TÍTULO: Conhecendo a população em situação de rua: quantificação e perfil em Belém/PA a partir do atendimento socioassistencial dos anos 2015-2016

 

MUNICÍPIO/UF:  Belém/PA
PERÍODO DE IMPLANTAÇÃO: outubro de 2014  a 18 de março de 2018
SECRETARIA: FUNDAÇÃO PAPA JOÃO XXIII – FUNPAPA
EQUIPE: Maria Célia Guimarães Borges – Assistente Social Paulo Sérgio Lima da Silva – Antropólogo Jocenete Santos Carvalho – Analista de Sistemas Milene Miranda Lucas – Economista
E-MAIL: funpapavigilanciasocial@gmail.com
TELEFONE: (91) 32795-629

 

OBJETIVO

Objetivo Geral:

Quantificar e conhecer o perfil das pessoas em situação de rua atendidas nos espaços socioassistenciais governamentais do município de Belém do Pará que trabalham com este público.

Objetivos específicos:

  • Ampliar o conhecimento existente sobre esse segmento populacional, traçando as principais características por eles apresentadas;
  • Possibilitar a melhoria nos serviços socioassistenciais prestados à população em situação de rua presente no município de Belém;
  • Subsidiar debates engendrados por agentes governamentais e não governamentais, fiscalizadores e executores de políticas voltadas à população em situação de rua.
  • Desconstruir percepções de senso comum e representações sociais que produzam preconceitos e discriminações contra as pessoas em situação de rua.

 

FOCO/PÚBLICO-ALVO

O estudo teve por público destinatário os gestores da Política de Assistência Social local que, a partir dos saberes resultantes, poderão incrementar as práticas, tornando-as mais efetivas, como também os operadores, em especial os que trabalham com esse segmento, possibilitando a execução de intervenções mais coerentes e humanizadas. A ação destina-se também aos movimentos sociais representantes da população em situação rua, oferecendo mais um instrumento que subsidie a luta por seus direitos.

 

CONTEXTO

Dentre os inúmeros fenômenos presentes nas realidades sociais das cidades brasileiras, encontra-se aquele configurado por grupos populacionais que reconhecem a rua como seu espaço de existência e resistência. A partir do final dos anos de 1980, os até então meramente classificados como mendigos e seres sem moral ou fracassados passam, paulatinamente, a conquistar a atenção de políticas públicas específicas. Constitui-se, nesse processo, uma denominação específica: pessoas em situação de rua.

O avanço nas políticas para esse segmento não se deu sem lutas de movimentos sociais e atores individuais e coletivos diversos, muitos deles as próprias pessoas em situação de rua. Encontra-se, a partir daí, um cenário caracterizado pela realização de fóruns, encontros nacionais, comitês, grupos de trabalho, pesquisas, e um dos marcos: a instituição da Política Nacional para a População em Situação de Rua, Decreto Nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009.

Nesse sentido, muitos dos estudos sobre esse fenômeno social partem e ancoram-se em uma questão fundamental: “Por que essas pessoas vivem na rua?”. Contudo, uma indagação mais completa e complexa torna-se necessária: “Quem são essas pessoas?”. Responder a esse questionamento, ao menos parcialmente, foi o objetivo do estudo.

Em função da falta de referência domiciliar, a população em situação de rua ainda não é incluída na contagem do Censo Demográfico elaborado pelo IBGE, exigindo um esforço adicional no sentido de conhecer a dimensão e o perfil desse segmento populacional. Como primeira tentativa, o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS realizou, entre 2007 e 2008, o I Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (BRASIL, 2009b), em 71 municípios brasileiros, dos quais 23 Capitais, incluindo Belém/Pará que contabilizou 403 pessoas vivendo nessa situação.

No ano de 2014, a Universidade Federal do Pará – UFPA, por intermédio do Programa Interdisciplinar Trópicos em Movimento, do Instituto de Educação Matemática e Científica, realizou, em acordo de cooperação técnico-financeira com a Secretaria de Estado de Assistência Social Trabalho Emprego e Renda – SEASTER, a pesquisa A População de Rua em Belém e Ananindeua / Pará (SEASTER; UFPA, 2014), que quantificou 583 pessoas em situação de rua nos dois municípios da Região Metropolitana de Belém, dos quais 478 se encontravam nas ruas do município de Belém, totalizando 71,7% do total identificado.

Em período similar (2013 e 2014), a Fundação Papa João XXIII – FUNPAPA ampliou sua rede de atenção socioassistencial às pessoas adultas em situação de rua com a implantação de mais 02 (dois) CREAS, totalizando 05 (cinco); a implantação de 02 (dois) Centros Pop; a ampliação das metas do Espaço de Acolhimento para Pessoas Adultas em Situação de Rua já em funcionamento que passou de 30 para 50 acolhidos ao dia e a implantação de mais um Espaço de Acolhimento com a oferta de 40 vagas ao dia.

Diante da prática cotidiana de atendimento desses espaços socioassistenciais que, por meio de seus relatórios de atendimento, sinalizavam um volume maior de pessoas em situação de rua presentes no Município do que o apontado pela pesquisa mais recentemente disponível, a Vigilância Socioassistencial de Belém/PA, implantada em final de 2013, imbuída da sua competência de produzir conhecimentos capazes de subsidiar a prática da Politica municipal de assistência social sentiu a necessidade de realizar um novo levantamento deste quantitativo e de melhor conhecer algumas de suas peculiaridades.

 

METODOLOGIA

O estudo sobre pessoas em situação iniciou a partir da inquietação da Vigilância Socioassistencial juntamente com os operadores dos serviços para pessoas em situação de rua que julgavam insuficientes os dados até então disponíveis sobre este público. A partir daí, no final de 2014, a Vigilância Socioassistencial articulou com os gestores dos nove (09) espaços socioassistenciais que trabalhavam com esse público a elaboração de um instrumental de coleta de dados gerais sobre a população em situação de rua atendida, contendo as seguintes informações: nome; apelido; sexo; idade; local onde dorme; local onde passa o dia; local onde trabalha. Esse instrumental passou a ser encaminhado mensalmente, e, para garantir a consistência e amplitude do estudo, optou-se por realizar a coleta de dados durante dois anos subsequentes. Dessa forma, entre janeiro de 2015 a dezembro de 2016, os dados foram encaminhados à Vigilância Socioassistencial que os inseria em uma planilha elaborada no MS Excel.  Essa planilha continha regras condicionais de modo a excluir nomes repetidos que pudessem vir em meses distintos ou oriundos de diferentes espaços. Assim cada indivíduo, ou nome, era contabilizado uma única vez.

Vale destacar que os nomes eram informados pelos usuários dos Serviços, por ocasião do atendimento, podendo haver nomes que, embora diferentes, representem uma única pessoa, visto que há certo receio dos componentes desse público em revelar seu nome. Logo, o quantitativo total dos identificados pode não constituir um valor exato e sim um correspondente próximo.

O estudo foi instrumentalizado por meio do levantamento de dados primários (registros de atendimento das equipes técnicas dos espaços socioassistenciais), e dados secundários, cujas fontes foram o CECAD/CadÚnico e IBGE.   O referencial bibliográfico utilizado foi composto por normativas e pesquisas acadêmicas e institucionais sobre o tema como o Decreto Nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009 e as pesquisas: “Desemprego, ruptura familiar e solidão: trajetória de vida da população em situação de rua em São Paulo”, de Maria Rocha Antuniassi, François Bonvin, Cecília Rodrigues e Oscarlina Rezende;  “A rua em movimento – experiências urbanas e jogos sociais em torno da população de rua”, de Daniel Costa; “Elas da rua: população em situação de rua e a questão de gênero”, de  Júnia Quiroga e Marina Novo. Como referência comparativa foram utilizadas as pesquisas “A População de Rua em Belém e Ananindeua / Pará”, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e o “I Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua”, do MDS.

A definição do Decreto Nº 7.053 sobre população em situação de rua foi a utilizada neste estudo, que assim as definem: “grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”; tal definição do Decreto foi complementada pelo conceito de Daniel Costa (2007) que afirma que se tratam, em geral, de indivíduos incluídos socialmente de forma perversa, ocupantes de um lugar social que muitos consideram como não valorizado e sobre as quais pesa um universo discursivo acusatório e negativo.

Uma vez finalizado, ocorreu o lançamento do estudo sob o título “Uma Breve Análise das Pessoas em Situação de Rua no Município de Belém/PA nos Anos de 2015-2016”, em março de 2018.

 

ENVOLVIDOS/PARTICIPANTES

A concepção e realização do estudo foram pensadas de forma integrada, inicialmente, pela equipe do Setor de Vigilância Socioassistencial (SEVISA) e, após definida sua importância e necessidade, em conjunto com os coordenadores dos espaços socioassistenciais e equipes técnicas, discutimos e traçamos nossos propósitos, com objetivos, período e metodologia a ser utilizada.

Isso posto, dividimos responsabilidades:

  • Elaboração de uma Planilha no MS Excel – equipe SEVISA;
  • Preenchimento e envio mensal do instrumental com os dados contidos na planilha – Equipes e coordenações dos espaços socioassistenciais;
  • Alimentação da Planilha dos dados dos Instrumentais – equipe SEVISA;
  • Tabulação dos dados e finalização da pesquisa – equipe SEVISA.
  • Socialização dos resultados e debates – conselhos de políticas; movimentos sociais; pessoas com trajetória na rua; profissionais dos espaços socioassistenciais; equipe SEVISA.

 

 INSUMOS NECESSÁRIOS

Para a elaboração do estudo foi necessária uma equipe interdisciplinar de profissionais (assistente social, economista, antropólogo e analista de sistemas); computadores com acesso a internet; editor de texto; Excel; extração de dados do CECAD; coleta de dados do Registro Mensal de Atividades de 09 (nove) espaços socioassistenciais; levantamento de referências bibliográficas; elaboração de instrumental específico para coleta de informações de atendimento de pessoas em situação de rua.

 

RESULTADOS

O estudo indicou que entre os anos de 2015 e 2016, a quantidade de pessoas em situação de rua atendidas pela FUNPAPA, foi de 822, um acréscimo de 72% em relação ao total identificado na pesquisa realizada pela UFPA em 2014 e de 104% se comparada à pesquisa de 2007 do MDS.

Do universo de 822 pessoas identificadas, 79% eram do sexo masculino, contra 21% do sexo feminino. Essa predominância masculina também foi constatada na pesquisa realizada pela UFPA cujos percentuais foram 83,7% masculino e 16,3%  feminino.

Quanto à faixa etária, a predominância encontra-se entre 31 a 40 anos (30%), seguida por 21 a 30 (28%) e 41 a 50 (19%), o que indica tratar-se de homens e mulheres em idade ativa, que poderiam, portanto, estarem inseridos no mercado de trabalho ou em outras atividades inerentes à vida cotidiana ativa/produtiva. Essa situação também foi ratificada pela pesquisa da UFPA que identificou 42,9% de pessoas entre 18 a 29 anos e 37,2 % entre 30 a 44 anos de idade.

Salienta-se que do universo supramencionado, 70% verbalizaram o envolvimento com álcool e outras drogas, com ênfase ao uso do álcool e crack, o que, aliado à forte crise econômica e social pela qual vem passando o país nos últimos anos, pode resultar em um alto percentual de pessoas em idade ativa fora do mercado de trabalho e em situação de rua.

A análise da procedência revela que 53% são originários do próprio estado do Pará, dos quais 32% do município de Belém. Em seguida vêm os estados do Maranhão, com 8%, Amazonas e São Paulo, cada um com 6%. É importante perceber que assim como no estado do Pará, os estados do Maranhão, Amazonas e São Paulo tem maior quantitativo oriundos de suas respectivas capitais.

O estudo conseguiu desvelar a presença de pessoas em situação de rua por toda a extensão territorial do Município, entretanto, com maior concentração nas áreas comerciais e de grande circulação popular. Essas áreas foram identificadas no mapa da cidade de Belém, indicando-se os logradouros/áreas de maior confluência desse segmento populacional, com corte especial para os Distritos Administrativos de Icoaraci e Mosqueiro.

Referente às estratégias de sobrevivência os dados revelaram que as pessoas em situação de rua no município de Belém utilizam estratégias informais/ trabalhos precários e, alguns, ilegais conforme legislação brasileira. São atividades cujo retorno financeiro, além de reduzido é bastante instável o que gera uma grande vulnerabilidade por renda. Tratam-se de atividades desenvolvidas no espaço público em detrimento de atividades vinculadas ao espaço privado. Dentre elas, listam-se: reparador de carros, lavador de carros, artesão, camelô, vendedor ambulante, catador de lixo/latas/materiais recicláveis, transporte alternativo/carretos, etc.

                Diante das informações levantadas, o estudo apresentou como proposições: aprimorar os serviços já existentes voltados para a população em situação de rua; intervir, de forma intersetorial, em questões prementes, tais como o enfrentamento ao uso de álcool e outras drogas e a preparação para o mundo do trabalho; garantir acesso à documentação civil e inserção no CadÚnico;  promover a reinserção familiar e comunitária.

Os resultados do estudo Uma Breve Análise das Pessoas em Situação de Rua no Município de Belém/PA nos Anos e 2015-2016 foram apresentados, em março de 2018, em um encontro promovido pelo Setor de Vigilância Socioassistencial com a presença de gestores, profissionais dos espaços socioassistenciais, representantes de Conselhos, movimentos sociais, pessoas em situação de rua, integrantes da equipe de Vigilância Social de outros municípios paraenses, representantes de entidades não-governamentais e imprensa local. A cada representante foi entregue uma cópia impressa do estudo.

Ao término da apresentação, houve ampla participação, alguns destacando a importância de estudos que deem visibilidade às pessoas em situação de rua; os trabalhadores dos espaços socioassistenciais…

 

MODELO DE ATENÇÃO

Os dados gerais do estudo “Uma Breve Análise das Pessoas em Situação de Rua no Município de Belém/PA nos Anos e 2015-2016” compuseram o diagnóstico que referenciou o Plano Municipal de Assistência Social do Município de Belém/ PA 2018-2021 que, inclusive, contou com a colaboração dos usuários dos Serviços para a população em situação de rua (espaços de acolhimento e Centros Pop) que participaram de dois dos oito encontros com os usuários promovidos para a elaboração do PMAS 2018-2021.

 

DESAFIOS E LIMITAÇÕES

Quantificar e levantar informações acerca das pessoas em situação de rua esbarra em dificuldades práticas tais como a falta de referência domiciliar, o constante deslocamento pelo espaço urbano, o receio por parte das pessoas em situação de rua de fornecer informações pessoais; a intensa dinâmica de trabalho das equipes e os procedimentos de atendimento que demandam o preenchimento de distintos instrumentais técnicos.

Outra dificuldade premente diz respeito às limitações financeiras para pagamento de pesquisadores e /ou agências especializadas, situação essa que nos lançou ao desafio de realizar um estudo a partir do atendimento realizado, o que, com certeza, foi importante por possibilitar um maior envolvimento de todos os operadores. Nesse sentido, a rotina de trabalho e o conjunto de atribuições da equipe de Vigilância pertinentes, em especial, ao acompanhamento e inserção dos relatórios mensais de atividades dos espaços socioassistenciais exige um esforço redobrado no intuito de manter a produção de saberes técnicos-políticos no campo da Política Municipal de Assistência Social.

 

PRÓXIMOS PASSOS

Ampliar o estudo a partir da coleta e análise de outras variáveis sobre o perfil da pessoa em situação de rua, tais como cor/raça, escolaridade, tempo de situação de rua, vínculos familiares, deficiências físicas, acesso às políticas públicas de saúde, lazer, cultura, segurança pública, etc., preconceitos vivenciados no cotidiano da cidade. No mesmo sentido, vislumbramos a importância de desenvolver uma pesquisa qualitativa com as pessoas em situação de rua, obtendo informações sobre a qualidade dos serviços ofertados a partir da ótica dos usuários. A equipe de Vigilância também visualiza como próxima ação o incentivo e articulação com a Central do Cadúnico local para um maior alcance e inserção desse segmento populacional no referido cadastro. Salienta-se ainda como ação subsequente a troca de conhecimentos com outras metrópoles do país que tenham efetuado pesquisas sobre essa temática, de modo a cotejar dados e ações socioassistenciais implementadas.

 

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